O Aorta Talks se aproxima e batemos um papo mais geral e informativo com um dos membros da comissão científica do evento, o Dr. André Brito, sobre aorta, doenças, tratamentos, inovações e estatísticas brasileiras. Confira!
AortaTalks – A grosso modo, qual o papel da aorta para o corpo humano?
Dr. André Brito – A aorta é uma artéria, um dos vasos que leva o sangue oxigenado para ser distribuído para todos os órgãos do corpo humano. A aorta é o principal deles, e é dela que saem todos os demais vasos para o corpo humano. Desde as coronárias, que saem logo no início da aorta, para irrigar o coração, as carótidas saem um pouco depois, para irrigar o cérebro, a cabeça, e depois de formar o arco aórtico e descer pelo tórax. A aorta libera ramos para irrigação de todos os órgãos abdominais, fígado, estômago, intestinos, baço, rins. E continua seu trajeto na direção distal, na direção do abdômen. Então, no final do abdômen, a aorta se divide em dois, que são as artérias ilíacas, que devem irrigar as pernas.Portanto, ela é não só a maior artéria do corpo humano, como é a mais importante.
AT – Quais são as principais doenças que acometem a aorta?
AB – São, seguramente, os aneurismas e as dissecções da aorta. O aneurisma é, por definição, uma dilatação, o aumento do calibre da aorta. Ou seja, é quando em um ponto específico, em um local isolado, a aorta aumenta de calibre e forma uma dilatação – como se formasse uma bola, uma laranja – e o principal risco, já que ela dilata por sua parede estar enfraquecida, é a rotura, é romper e causar um sangramento. A outra doença é a dissecção da aorta, que também é causada por uma fraqueza na parede da aorta. Nesse caso, o fluxo de sangue disseca, ou delamina ou divide as paredes da aorta. Ou seja, há fluxo de sangue dentro da parede da aorta. Ambas são doenças graves, que têm risco de vida, e podem acontecer em diversos segmentos da aorta, desde a sua origem, no seu arco, até em sua parte torácica ou abdominal. Importante destacar que essas doenças têm diversas nuances, peculiaridades, de acordo com a forma como acontecem, se aguda ou crônica, com a localização, o calibre, se são dilatações pequenas ou grandes.
AT – Os tratamentos envolvem profissionais médicos de diversas especialidades, certo? Pode citar alguns deles e, se possível, relacionar esses profissionais com as doenças?
AB – É importante ressaltar que um especialista sozinho não vai conseguir oferecer o melhor cuidado para um paciente com doença da aorta. Quando a doença da aorta acontece, acomete tanto a aorta ascendente como a descendente, e o paciente também tem doenças do coração, então ele vai precisar do cuidado de especialistas em cada uma dessas áreas, atuando de forma conjunta.
Agora, falando em cirurgiões, aqueles que atuam no cuidado da aorta são, principalmente, os cirurgiões vasculares e endovasculares. O cirurgião vascular cuida, em geral, dos vasos do corpo humano, artérias, veias e vasos linfáticos e a aorta. Já o cirurgião cardíaco ou o cirurgião cardiovascular está muito ligado ao coração e a aorta é um vaso que sai direto do coração. Então, todas as doenças que acometem a aorta na sua parte inicial, ou seja, na aorta ascendente, são a área de atuação do cirurgião cardíaco ou do cirurgião cardiovascular. Já como especialidade clínica, o cardiologista é o especialista que centraliza o cuidado clínico das doenças da aorta.
Mas há, porém, uma gama enorme de outros especialistas que também estão bastante envolvidos com as doenças da aorta, e aí é importante destacar os médicos que trabalham nas UTIs, os intensivistas. As doenças da aorta são doenças graves que, independentemente de serem casos cirúrgicos ou não, os pacientes são atendidos também por médicos intensivistas. Pacientes no pré e pós-operatório, por exemplo, precisam também de cuidados intensivos. Também os especialistas em imagens, na radiologia, já que as doenças da aorta envolvem diversos tipos de exame, como ecocardiograma, ultrassom, ultrassonografia, tomografia, e, principalmente, a angiotomografia computadorizada, um exame muito detalhado da aorta. Ainda, geneticistas, já que existe a associação genética para essas doenças, além de reumatologistas, nefrologistas e uma série de outras especialidades que podem estar associadas.
O intuito do AortaTalks é, justamente, trazer a abordagem multidisciplinar e tentar que todos falem a mesma língua. O volume de informações hoje é imenso, as atualizações chegam a cada dia, seja em técnicas, em medicações, em complicações, em capacidade de reabilitação, então é muito difícil que uma pessoa sozinha consiga fazer tudo isso.
AT – Existem muitos profissionais especializados nessa área no Brasil?
AB – No Brasil existem muitos especialistas vasculares, especialistas cirurgiões cardíacos, mas nós não temos, ainda, especialistas em aorta. Na Europa e nos Estados Unidos já existe uma especialidade chamada ‘cirurgia da aorta’, algo muito novo ainda e que nos últimos anos tem se tornado mais comum. Existem, claro, cardiologistas que estão muito focados no tratamento da aorta, se especializando nisso, cirurgiões vasculares e cardíacos que estão dedicados especificamente às doenças da aorta. Então, são essas pessoas que se encontram e conseguem oferecer o melhor cuidado de forma conjunta. Essa é, inclusive, uma das minhas especialidades. Estou focado, há muitos anos, em trabalhar com doenças da aorta.
AT – Há alguma estatística ou pesquisa atual sobre essas doenças em brasileiros ou baianos?
AB – Os dados não são tão precisos, principalmente em relação à dissecção da aorta. Trata-se de uma doença extremamente grave, fatal e muitas vezes o paciente vai a óbito sem um diagnóstico correto. Podendo ser confundida, inclusive, com outras doenças que causam morte súbita, como o infarto agudo do miocárdio. Cerca de 50% dos pacientes com dissecção aguda da aorta morrem antes de chegar em um especialista, então a mortalidade é alta e as primeiras horas do atendimeto são cruciais. Em torno de 70% a 80% dos pacientes submetidos a uma cirurgia no tempo adequado apresentam uma sobrevida excelente a longo prazo, então, a cirurgia é fundamental nos casos de dissecção da aorta. Hoje, estima-se que ocorram cerca de 12 mil casos novos de dissecção da aorta por ano no Brasil. Um número estimado pela sua população e levando em conta dados comparativos de outros países, como o Reino Unido. Temos casos emblemáticos como, por exemplo, o do cantor Belchior, que morreu por dissecção da aorta, tendo um morte súbita, em casa, o que foi comprovado depois por uma autópsia. Então, é mesmo uma doença extremamente importante de diagnóstico difícil e, justamente, é importante que a gente fale sobre ela e que os médicos se aprimorem também.
AT – Sobre tratamentos, são apenas cirúrgicos? Pode citar alguns deles?
AB – O tratamento das doenças da aorta dependem muito do aspecto anatômico, ou seja, do tamanho, do diâmetro dos aneurismas, da localização, se ocorre na aorta ascendente, na aorta descendente. Existem vários fatores clínicos importantes, como o controle dos fatores de risco, cessar tabagismo, controlar o colesterol, controlar os triglicerídeos, a pressão. O tratamento definitivo realmente envolve o tratamento cirúrgico que, em linhas gerais, pode ser dividido em dois tipos: por cirurgia aberta, que é a cirurgia tradicional por corte, em que você ressegue o segmento doente da aorta e troca ele por um tubo sintético, e o tratamento endovascular, que é o tratamento feito por navegação, por dentro dos vasos, geralmente através da artéria femoral na virilha, em que você navega com catéteres, com fios, de forma percutânea, ou seja, sem abertura do abdômen, do tórax, se consegue tratar os aneurismas com dispositivos chamados endopróteses que são colocados por dentro do vaso. Essa é uma revolução na cirurgia da aorta que aconteceu nos últimos 20 ou 30 anos e que tem realmente mudado o tamanho dessas cirurgias e a recuperação dos pacientes.
AT – Como o Brasil se posiciona nesse cenário em termos de procedimentos, tecnologias e profissionais?
AB – O mundo hoje é muito globalizado e a medicina no Brasil se desenvolve muito rápido em relação às tecnologias. Algumas dessas inovações chegam no Brasil ao mesmo tempo ou até antes de alguns países mais desenvolvidos. Então, para quem tem acesso a esses dispositivos, isso tem acontecido realmente de forma rápida. Aqui falamos em tratamento da aorta de serviços hospitalares terciários, ou seja, aqueles que atendem casos mais complexos e que geralmente estão concentrados nas capitais. Mas pode-se dizer, sim, que o nosso país está extremamente avançado em relação às tecnologias e que temos disponíveis aqui as principais inovações existentes no mundo para esses tratamentos. Os profissionais de saúde brasileiros que atuam nessa área hoje se atualizam ao mesmo tempo que os profissionais no exterior e as informações transitam com mais facilidade, de forma que é plenamente possível oferecer resultados realmente de ponta no Brasil.
AT – Existe algum país no mundo que seja referência no tratamento e pesquisa de aorta?
AB – Dois países se destacam em relação à pesquisa, publicação e tratamento na aorta: os Estados Unidos e a Alemanha. São os países que mais se diferenciam em termos de inovação, tratamento avançado, melhores resultados no tratamento da aorta, destacando aí o tratamento endovascular e a cirurgia aberta também.